Baltasar Garzón: “Todas as ditaduras são corruptas por natureza”
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Há um revisionismo em voga em diversas partes do mundo quando o assunto são governos autoritários e é preciso combater essa crença. A afirmação partiu do juiz espanhol Baltasar García Garzón, um profundo conhecedor do tema, que participou, na noite desta quinta-feira (3), da Semana da Democracia, em Porto Alegre, promovida pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. “Há uma tendência atual de negar os crimes cometidos, de pensar que uma ditadura foi branda ou que sequer foi uma ditadura. E isso não é bom”, alertou o jurista para uma atenta plateia que o escutou por quase duas horas e por diversas vezes o aplaudiu em cena aberta.
“Ainda há um silêncio impressionante sobre as ditaduras que gera uma absurda confusão. Precisamos reagir a este tipo de sistema”, pontuou.
Garzón fala com o conhecimento de quem não apenas conduziu o início da investigação criminal contra o general Francisco Franco, que governou com mão de ferro a Espanha entre os anos 1939 e 1975. Ele foi o responsável por mandar para a cadeia o ditador chileno Augusto Pinochet (1998), condenou a torturadores argentinos e prestou consultoria para processos referentes à justiça de transição em países latino-americanos como Equador, El Salvador e Colômbia. Trabalha ainda com a Unesco e com a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Mais do que calar sobre o passado recente autoritário, muitas sociedades tendem a proteger os agressores, ou a achar que “tudo o que fizeram” foi pelo país. “No Chile, muitas pessoas não aceitavam ver se desfazer a imagem de seu ídolo (Pinochet) quando provamos que ele desviou 25 milhões de dólares”.
Essa, na opinião de Garzón, é mais cruel entre todas as falsas imagens geradas sobre os reimes militares. A de que eram honestos e não roubavam. “Todas as ditaduras são corruptas por natureza, na medida em que limitam ou retiram completamente os direitos individuais e coletivos e que tem por regra a impunidade”, alertou.
E foi mais longe, dizendo que todas as ditaduras tem uma motivação financeira. “Sempre há um elemento econômico na repressão: pode ser o tráfico de armas, a extração de recursos naturais, o lucro de grandes empresas. Falamos de crimes das ditaduras contra os opositores, mas esquecemos de levantar a questão do dinheiro”, sublinhou.
Sociedade deve pressionar por verdade e reparação
Baltasar Garzón foi contundente ao afirmar que os estados dificilmente serão os impulsores de um processo de busca pela verdade e pela reparação. “Nunca houve vontade dos estados de solucionar este impasse. A pressão sempre veio da sociedade que lutou e exigiu medidas”.
O maior exemplo para ele estava na primeira fileira da plateia: uma integrante do movimento de Mães e Avós da Praça de Maio, que ao longo de décadas se reuniu diante da sede do governo argentino semanalmente para exigir que se contassem a verdade sobre seus filhos e netos que nunca voltaram para casa após serem presos pelo regime militar. Nos anos 2000, depois da eleição de Nestor Kirchner, o governo argentino enfrentou a questão, inclusive julgando e condenando a militares que comandaram o sistema repressivo do pais como Jorge Rafael Videla – Garzón acredita que o modelo do país vizinho é “lamentavelmente irrepetível”.
Apesar disso, ele considera exemplar o processo de resgate do passado recente levado a cabo em países latino-americanos. “Este é o continente que mais impulsionou a política de memória, justiça e reparação”, elogiou.
Sobre o Brasil, criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a vigência da Lei da Anistia, que proíbe o julgamento de torturadores e militares que cometeram crimes durante o regime, assim como a determinação de não cumprir a sentença ditada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que determina que o Estado permita investigar os crimes cometidos durante a guerrilha do Araguaia. “É um crime de lesa-humanidade que não caduca nunca, e que não pode ser impedido pela Lei de Anistia”, provocou.
Elogiou a criação da Comissão da Verdade, que na sua opinião, não se contrapõe a uma eventual ação de julgamento e condenação dos repressores. “Nenhum país se quebra porque aplica Justiça”, concluiu.
Texto: Naira Hofmeister
Confira a programação da Semana da Democracia, iniciada em 01 abril:
Dias 04 a 05 de abril
Diálogos - ¨Do golpe a redemocratização: caminhos do Brasil¨
Local: Arena montada no Memorial do Rio Grande do Sul/ Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Praça da Alfândega.
Dia 04
10h – 12h – Painel: De Jango ao Golpe.
Palestrantes:
Christopher Goulart – Neto do Presidente João Goulart
Juremir Machado da Silva – Jornalista, cronista e professor da Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do RS.
Maria Celina D’Araújo – Professora de História da Pontifícia Universidade Católica do RJ.
Nadine Borges – Comissão da Verdade RJ. Advogada e Professora na Universidade Federal Fluminense, atualmente faz parte da Comissão Nacional da Verdade. Foi coordenadora da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
Pedro Simon – Senador da República e Ex-Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Mediadora: Mecedes Cànepa – Professora Doutora de Ciência Política da UFRGS e Conselheira do Cdes-RS.
14h – 17h – Painel: Ditadura, Democracia e Gênero.
Palestrantes:
Céli Regina Pinto – Professora de História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra a Comissão Estadual da Verdade no RS. Desenvolve pesquisa na área de Ciência Política enfatizando temas como o feminismo.
Lilian Celiberti – Uruguaia, ativista dos Direitos Humanos, foi sequestrada junto com seus dois filhos em 1978 durante a Operação Condor.
Lícia Peres – Socióloga. Foi a primeira presidente do Movimento pela Anistia.
Soledad Muñoz – Abogada; Profesora de Derecho Internacional Público (Universidad Nacional de La Plata, UNLP); Miembra del Departamento de Derechos Humanos del Instituto de Relaciones Internacionales, (UNLP); Consultora externa del Instituto Interamericano de Derechos Humanos (IIDH).
Mediadora: Ariane Leitão – Secretária de Estado de Políticas para as Mulheres do RS.
18h – Apresentação de “Guri d’América”: Raul Elwanger
18h30 – 20h – Painel: Terrorismo de Estado
Palestrantes:
Rosa Roisinblit - Ativista argentina pelos direitos humanos e vice-presidente da Associação das Abuelas de Plaza de Mayo
Jimena Vicario - Neta de desaparecidos apropriados pelos militares argentinos
Franklin Martins – Jornalista. Atuou no movimento estudantil e fez parte do MR-8. Em 1969, fez parte da Ação Libertadora Nacional. Foi um dos mentores do sequestro do embaixador americano.
Mediador: Antônio Escostegy Castro – Advogado representante do Conselho Federal da OAB e Conselheiro do Cdes-RS.
Dia 05
10h – 12h – Painel: Ditadura, Resistência e Reparação.
Palestrantes:
Rodrigo Patto Sá Motta – Professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais e atual Presidente da Associação Nacional de História (ANPUH)
Caroline Silveira Bauer – Historiadora, Professora de História da Universidade Federal de Pelotas e colunista da Revista Carta Maior. Seus estudos tem ênfase nas ditaduras latinoamericanas e temas correlatos.
Carlos Frederico Guazzelli - Advogado, presidente da Comissão da Verdade do RS
Mediador: Daniel Vieira Sebastiani – Professor de História, Diretor Nacional do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e Conselheiro do Cdes-RS.
14h – 18h – Painel: Golpe, Ditadura e Movimentos Culturais.
Palestrantes:
Silvio Tendler – Documentarista e cineasta. Conhecido como o cineasta dos “vencidos”.
Luis Augusto Fischer – Escritor e Professor da UFRGS
Nei Lisboa – Músico. Irmão mais novo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, primeiro desaparecido político brasileiro cujo corpo pôde ser localizado, no final dos anos 70.
Nelson Coelho de Castro – Cantor e compositor, vivenciou o cenário musical da época através dos festivais universitários, das Rodas de Som de Carlinhos Hartlieb e de apresentações na noite porto-alegrense.
Edgar Vasquez - Ilustrador, artista gráfico e cartunista.
Mediador: Márcio Tavares – Coordenador do Memorial do RS
18h – Exibição do documentário de Sílvio Tendler
Serão lançados os documentários:
- "Os militares que disseram NÃO" - sobre os militares cassados, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e dirigido pelo Sílvio Tendler.
- "Por uma questão de justiça: os advogados contra a ditadura", sobre os advogados dos presos políticos, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e também dirigido pelo Sílvio Tendler.
Edição: Redação Secom (51) 3210-4305