Semana da Democracia: Memória é defendida como política de Estado para evitar repetições na história
Publicação:

"A memória como política de Estado" foi o painel da tarde desta quarta-feira (2) na programação da Semana da Democracia, promovida pelo Governo do Estado. A atividade teve a participação de dirigentes de centros de memória da Argentina, Uruguai e Brasil. Os painelistas observaram que o pensamento conservador e autoritário está presente na sociedade, e a memória contribui para evitar novos períodos de violação dos direitos humanos por parte do Estado.
“O presente nos convoca a analisar o passado e buscar experiências muito ricas para não nos equivocarmos neste presente”, enfatizou o diretor Nacional do Centro Cultural de Memoria Haroldo Conti (Argentina), Eduardo Jozami. Seu país viveu sob o regime militar de 1976 a 1983 e foi considerado o mais sanguinário entre os países do Mercosul. Ele destacou que seu país avançou muito em políticas de memória e verdade na última década, mas que refluxos podem ocorrer dependendo de mudanças políticas. Por isso destacou a importância fundamental do apoio popular a políticas de defesa de direitos humanos.
Jozami alertou que a efetivação de espaços de memória, verdade e justiça são apostas de futuro e depende da validação permanente de setores cada vez mais amplos da população. “A validação destas políticas tem que ser apropriadas pela sociedade”, registrou. Citou ainda recente pesquisa mostrando que 79% dos argentinos repudiam o golpe militar, mas que 21% o justificam.
Memória e identidade
“A última ditadura no Uruguai não foi um acidente, mas a continuidade de um pensamento autoritário constatado desde o início da construção do Estado”, registrou o diretor do Museu de La Memoria do Uruguai, Elbio Ferrario. O Uruguai viveu sob o regime militar de 1973 a 1985, período que marcou profundamente a vida do país de aproximadamente 3,5 milhões de habitantes, com migração de toda uma geração de jovens.
O Museu de La Memoria faz referência também a toda história anterior ao golpe, cheia de episódios de autoritarismo, observou Ferrario. Ele apontou os museus como lugares de consciência. “Todo campo da memória é um aspecto da luta política, dando respostas ao presente e ao futuro. As pessoas reconstroem a memória para afirmar sua identidade, com a diversidade das memórias. É um lugar de conflito, com identidades que divergem sobre a forma de ver”.
Elbio Ferrario destacou que a memória é a arma poderosa para a identidade do povo e para construir solidariedade, promovendo o sentido crítico na sociedade. Acentuou que o trabalho no La Memoria está destinado à lembrança das violações e terrorismo de Estado, mas também dá ênfase às lutas dos que se levantaram e enfrentaram as ditaduras. “Creio que hoje em dia, no Uruguai, explicitamente, ninguém reivindica a ditadura”, declarou.
Esquecimento é o legado autoritário
O coordenador da Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Gilles Gomes, alertou que “as razões do golpe de 64 que furtaram um país melhor dos brasileiros continuam presentes hoje a cada troca de governo, a cada nova conjuntura estrutural do país". "Não nos livramos da pior ditadura, que é a ditadura do capital, espraiada, exportada e vendida pelos EUA”.
Gilles observou que o legado autoritário brasileiro está traduzido no ensino, resultando no esquecimento do que se passou no país nos 21 anos de ditadura civil e militar. “Memória é resistência e luta política e deve ser disputada a todo o instante”, resumiu.
Opinou que no Brasil a justiça relativa aos crimes cometidos entre 1964 e 1985 é um processo e que há muito a avançar. “A memória como política de Estado não existe e isso não permitiu ainda que avancemos até outros pontos e balizas que são caras e clamadas todo dia na sociedade”, disse.
Ele informou que foram efetivados 362 processos de restauro pecuniário a vítimas da ditadura. Mas acredita que a Comissão da Verdade deverá mostrar um número muito maior. Para Gilles Gomes, a Comissão da Verdade, além de apontar as violações dos direitos humanos, deve propor as medidas necessárias à alteração da estrutura do Estado que possibilite que crimes contra os direitos humanos não se repitam.
“As violações do passado e razões do golpe continuam persistindo e resistindo”, enfatizou, lembrando que as estruturas policiais seguem repetindo práticas, pensamentos e formas de agir do regime autoritário. Concluiu apontando o desafio de ampliar e popularizar esse debate no Brasil.
Confira a programação da Semana da Democracia:
Dia 03
10h – 12h – Painel: Linguagens Artísticas e Pedagogia da Memória: Experiências.
Palestrantes:
Gaudêncio Fidélis (Diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Brasil)
Maria José Bunster (Diretora de Exposições do Museo de La Memória, Chile)
Ramón Castillo Inostroza (Curador e Diretor da Faculdade de Artes da Universidad Diego Portales, Chile)
Cristina Pozzobon (Artista Plástica do Rio Grande do Sul)
14h – 16h30 – Painel: Arquivos Orais e Testemunho.
Palestrantes:
Rejane Penna – Historiógrafa do Arquivo Histórico do RS. Doutora em História, coordenou pesquisas e publicou diversos trabalhos discutindo a utilização das fontes orais na construção histórica e na formação de acervos. É autora do livro “Fontes Orais e Historiografia: novas perspectivas ou falsos avanços”, pela Edipucrs.
Carla Rodeghero – Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora dos temas ditadura, anistia, história oral e memória.
18h30 – 20h – Painel: Os Marcos Internacionais da Reparação de Violações de Direitos Humanos.
Palestrantes:
Baltasar Garzón – Jurista espanhol. Responsável pela prisão do ditador Augusto Pinochet na Inglaterra. Atualmente é assessor do Tribunal Penal de Haia.
Mediadora: Juçara Dutra, Secretária de Justiça e Direitos Humanos do RS
Dias 04 a 05 de abril
Diálogos - ¨Do golpe a redemocratização: caminhos do Brasil¨.
Local: Arena montada no Memorial do Rio Grande do Sul/ Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Praça da Alfândega.
Dia 04
10h – 12h – Painel: De Jango ao Golpe.
Palestrantes:
Christopher Goulart – Neto do Presidente João Goulart
Juremir Machado da Silva – Jornalista, cronista e professor da Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do RS.
Maria Celina D’Araújo – Professora de História da Pontifícia Universidade Católica do RJ.
Nadine Borges – Comissão da Verdade RJ. Advogada e Professora na Universidade Federal Fluminense, atualmente faz parte da Comissão Nacional da Verdade. Foi coordenadora da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
Pedro Simon – Senador da República e Ex-Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Mediadora: Mecedes Cànepa – Professora Doutora de Ciência Política da UFRGS e Conselheira do Cdes-RS.
14h – 17h – Painel: Ditadura, Democracia e Gênero.
Palestrantes:
Céli Regina Pinto – Professora de História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra a Comissão Estadual da Verdade no RS. Desenvolve pesquisa na área de Ciência Política enfatizando temas como o feminismo.
Lilian Celiberti – Uruguaia, ativista dos Direitos Humanos, foi sequestrada junto com seus dois filhos em 1978 durante a Operação Condor.
Lícia Peres – Socióloga. Foi a primeira presidente do Movimento pela Anistia.
Soledad Muñoz – Abogada; Profesora de Derecho Internacional Público (Universidad Nacional de La Plata, UNLP); Miembra del Departamento de Derechos Humanos del Instituto de Relaciones Internacionales, (UNLP); Consultora externa del Instituto Interamericano de Derechos Humanos (IIDH).
Mediadora: Ariane Leitão – Secretária de Estado de Políticas para as Mulheres do RS.
18h – Apresentação de “Guri d’América”: Raul Elwanger
18h30 – 20h – Painel: Terrorismo de Estado
Palestrantes:
Rosa Roisinblit - Ativista argentina pelos direitos humanos e vice-presidente da Associação das Abuelas de Plaza de Mayo
Jimena Vicario - Neta de desaparecidos apropriados pelos militares argentinos
Franklin Martins – Jornalista. Atuou no movimento estudantil e fez parte do MR-8. Em 1969, fez parte da Ação Libertadora Nacional. Foi um dos mentores do sequestro do embaixador americano.
Mediador: Antônio Escostegy Castro – Advogado representante do Conselho Federal da OAB e Conselheiro do Cdes-RS.
Dia 05
10h – 12h – Painel: Ditadura, Resistência e Reparação.
Palestrantes:
Rodrigo Patto Sá Motta – Professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais e atual Presidente da Associação Nacional de História (ANPUH)
Caroline Silveira Bauer – Historiadora, Professora de História da Universidade Federal de Pelotas e colunista da Revista Carta Maior. Seus estudos tem ênfase nas ditaduras latinoamericanas e temas correlatos.
Carlos Frederico Guazzelli - Advogado, presidente da Comissão da Verdade do RS
Mediador: Daniel Vieira Sebastiani – Professor de História, Diretor Nacional do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e Conselheiro do Cdes-RS.
14h – 18h – Painel: Golpe, Ditadura e Movimentos Culturais.
Palestrantes:
Silvio Tendler – Documentarista e cineasta. Conhecido como o cineasta dos “vencidos”.
Luis Augusto Fischer – Escritor e Professor da UFRGS
Nei Lisboa – Músico. Irmão mais novo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, primeiro desaparecido político brasileiro cujo corpo pôde ser localizado, no final dos anos 70.
Nelson Coelho de Castro – Cantor e compositor, vivenciou o cenário musical da época através dos festivais universitários, das Rodas de Som de Carlinhos Hartlieb e de apresentações na noite porto-alegrense.
Edgar Vasquez - Ilustrador, artista gráfico e cartunista.
Mediador: Márcio Tavares – Coordenador do Memorial do RS
18h – Exibição do documentário de Sílvio Tendler
Serão lançados os documentários:
- "Os militares que disseram NÃO" - sobre os militares cassados, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e dirigido pelo Sílvio Tendler.
- "Por uma questão de justiça: os advogados contra a ditadura", sobre os advogados dos presos políticos, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e também dirigido pelo Sílvio Tendler.
Texto: Stela Pastore
Edição: Redação Secom (51) 3210.4305