Da insustentabilidade ambiental atual para a sustentabilidade da primeira Usina de Reciclagem a produzir Energia Elétrica e Biof
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A Usina de Biogás e Biofertilizantes da Ceasa/RS poderá servir de exemplo para uma política nacional de tratamento de resíduos provenientes de hortigranjeiros nas 29 Centrais de Abastecimento existentes no Brasil.
A implantação de um plano de gerenciamento de resíduos na Ceasa/RS é um legado imensurável, visando o desenvolvimento sustentável para gerações de permissionários do complexo e a população gaúcha - em particular as entidades que recebem doações de hortigranjeiros por meio do Banco de Alimentos e que atendem milhares de pessoas em vulnerabilidade social - considerando as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública.
Há quatro décadas, os primeiros comerciantes que trabalhavam ao ar livre, de forma precária, na Feira da Praia de Belas, e os produtores, que trabalhavam no mercado da Borges, foram transferidos para as Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa/RS), em uma área de 42 hectares na zona norte de Porto Alegre. A fixação dos primeiros colonizadores gaúchos, produtores de hortigranjeiros, e de atacadistas deu início à consolidação de um empreendimento mais do que meramente comercial, que foi se reorganizando e se desenvolvendo como uma cidade, para cumprir um novo papel para futuras gerações - de uma Cidade do Abastecimento - com necessidades consideradas básicas, entre as quais, recolhimento do lixo, iluminação e segurança.
Na Feira da Praia de Belas, localizada próxima da área central da capital, o comércio de meio-fio e calçada funcionava ao arrepio das boas práticas de higiene, com as frutas, os legumes, as verduras e os outros gêneros alimentícios à venda jogados ao solo, a céu aberto, em contato com todos os tipos de resíduos e detritos poluentes. Os alimentos eram transportados por animais de tração, que compartilhavam o mesmo espaço com os produtos, os comerciantes e os compradores. Apesar da mudança de local do comércio, os problemas relacionados à coleta dos resíduos orgânicos e inorgânicos permaneceram como pauta, atingindo de forma degradante e irreversível o meio ambiente do complexo e de outras áreas - leia-se, lixões e/ou aterros sanitários - para onde, ainda, toneladas de resíduos são levados. Além da questão ambiental, gestores e permissionários da central têm sido atingidos de forma financeira e econômica.
Atualmente, os mais de dois mil produtores de hortigranjeiros e centenas de atacadistas que comercializam seus produtos de segunda a sexta-feira no complexo, geram diariamente um grande volume de resíduos orgânicos e inorgânicos: uma média de 38 toneladas de resíduo por dia de mercado aberto, o que equivale à produção diária de uma cidade de 50 mil habitantes. Desde o final de 1973, quando a central começou a operar com os primeiros permissionários, não houve uma política para os resíduos produzidos, onde, de uma forma geral, aproximadamente 80% são orgânicos e 20% inorgânicos (embalagens e afins).
As atividades de manejo, separação e transbordo são realizadas há décadas a céu aberto, dentro do complexo, gerando chorume, que contamina o solo e as águas subterrâneas (lençóis freáticos). O metano e o dióxido de carbono, principais gases provenientes dessa decomposição anaeróbia dos resíduos orgânicos, agravam o efeito estufa e o lixo atrai ratos, moscas e baratas, que transmitem doenças, fatores que não dialogam com o tema da sustentabilidade. Além disso, esse panorama faz com que o custo gerado para transporte e disposição dos resíduos do complexo se torne alto, girando na ordem de R$ 23 mil e R$ 47 mil respectivamente e sendo rateado entre todos os usuários.
Ao completar 40 anos de inauguração do complexo, os maiores legados serão a Estação de Manejo e Transbordo de Resíduos da Ceasa/RS, uma edificação de alvenaria com 440m² e com um investimento total de R$ 600 mil, e uma Usina Modular de Biogás de 660 KVA, com gerenciamento remoto por meio automático ou humano, atendendo os conceitos de smart grid.
A Estação de Transbordo atenderá a sustentabilidade socioambiental do complexo, atingindo diretamente três frentes: o meio ambiente, o Banco de Alimentos e o rateio dos recursos financeiros entre todos os usuários do complexo, que será reduzido.
O projeto da Usina conta com o Grupo CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) e o Serviço Nacional da Indústria (Senai/RS), por meio do Conselho Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL), Centro de Excelência em Tecnologias Avançadas (Ceta), Escola Senai Nilo Bettanin e Faculdade Senai de Tecnologia, que desenvolveu uma bactéria específica para deterioração de hortigranjeiros. A parceria é resultado de uma chamada estratégica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e faz parte dos investimentos que as distribuidoras de energia elétrica devem fazer na área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
A usina localizada numa área física de aproximadamente 1.000 m² dentro da Ceasa/RS dará destino a 7,2 milhões de toneladas/ano de resíduos do complexo. Além da energia gerada (660 KVA), suficiente para um condomínio com cerca de 250 habitantes, não será mais preciso o transporte dos resíduos para o aterro sanitário, evitando também a emissão de 38 toneladas de carbono/ano. Posteriormente, serão produzidos biofertilizantes a partir do resíduo gerado. A meta é aproveitar 70% do lixo orgânico do entreposto de Porto Alegre, entre geração de energia elétrica e formação de fertilizantes. Outro benefício, além da sustentabilidade, é a contribuição da Ceasa no acréscimo na matriz energética nacional. O objetivo final é gerar até 30% do consumo energético interno da empresa.
O valor total do projeto da Usina de Biogás é de R$ 3,37 milhões, sendo R$ 2,6 milhões para a compra de equipamentos que serão adquiridos pela CEEE. O restante caberá ao Senai/RS e à Ceasa, responsáveis por implementar a usina desde o fornecimento da área física para a instalação, operação e manutenção, até a provisão do material para o funcionamento, como um triturador de biomassa.
*Diretor-Presidente da Ceasa do Rio Grande do Sul