Discurso do governador - visita do presidente do Uruguai, Jorge Batlle
Publicação:
Pronunciamento do governador Germano Rigotto na reunião com o presidente do Uruguai, Jorge Batlle. Palácio Piratini, 12.06.2003 Senhor Presidente, se existe no mundo lugar onde os rio-grandenses se vêem como na própria casa, esse lugar é a República Oriental do Uruguai. A continuidade dos nossos territórios, a extensão dos nossos litorais, das nossas coxilhas, dos nossos costumes, do nosso tipo humano se prolonga para o Sul, sem interrupção. Faço esse registro como expressão de uma fraternidade entre gaúchos e gauchos, porque somos a mesma gente, os mesmos valores, e partilhamos as mesmas raízes lançadas na Península Ibérica. Sentimo-nos honrados com sua presença e queremos aproveitar esta oportunidade para lhe falar de nossa convicção sobre a importância do Mercosul para nossos países, num sentido geral e para nosso estado e o Uruguai, num sentido ainda mais específico, dada a proximidade e a semelhança de nossas economias. Também desejo lhe falar de nossa inteira disposição para outras importantes vias de integração. Entre elas, a integração cultural, que já se manifesta no grande interesse pelo estudo de vosso belo idioma entre nossos estudantes. Entretanto, temos que aprofundar intercâmbios culturais e acadêmicos, bem como realizar mais eventos conjuntos. Ademais, consideramos que seria mutuamente proveitosa uma atuação conjunta do Rio Grande do Sul com o Uruguai no mercado turístico nacional brasileiro e internacional. Isso se faz tão mais conveniente quanto maior a consciência que se tenha de nossa herança comum, quando mais rapidamente forem superados determinados problemas de fronteira, e quanto mais se solidificarem outras formas de intercâmbio. Não deixa de ser interessante que tenha sido um escritor mineiro o autor da frase que em meu entender melhor expressa o quanto temos em comum. Seu autor, José Luiz Dutra de Toledo, percorrendo nossas duas capitais, expressou este dilema shakespeareano: Montevideo é uma Porto Alegre que fala espanhol ou Porto Alegre é uma Montevideo que fala português? Presidente, temos muito que conversar e muito a integrar. Julgo conhecer seu pensamento sobre Mercosul e Alca. E temos entendimento semelhante. É importante estarmos unidos no Mercosul para andarmos com proveito nas negociações da Alca. São bem pertinentes estas interrogações que Vossa Excelência fez, falando aos banqueiros argentinos, apontando para um horizonte de cinco ou dez anos: Que vamos fazer? Vamos pretender que nosso crescimento dependa do crescimento do Brasil? Temos, acaso o direito de exigir do Brasil, que é o país maior, porque é a locomotiva do Mercosul, com todos os seus problemas, que nos assegure um crescimento como o que devemos ter? Aonde queremos chegar? Tenho o mesmo entendimento. Vejo o Mercosul como um destino de nossos países e a Alca como uma opção. No entanto, só faremos negociações proveitosas no ambiente da Alca se o Mercosul estiver consolidado e se nossos países atuarem juntos no front político e no front econômico. Pessoalmente, considero inaceitável, num processo de integração continental, a manutenção das barreiras protecionistas norte-americanas, alfandegárias e não-alfandegárias, bem como seus subsídios agrícolas, pauta que eles preferem discutir no foro da OMC. Ora, a OMC pode ser um bom lugar no ponto de vista dos negócios mundiais, mas não significa muito para nós quando estamos discutindo especificidades de nosso comércio com eles. O comércio mundial - não podemos esquecer - é dominado pelos blocos comerciais que praticam pesadas políticas de subsídio agrícola. O Mercosul, na nossa perspectiva rio-grandense, é uma realidade geográfica e um destino histórico. A Alca, por seu turno, é um espaço para negociação do qual não devemos nos afastar. Penso, no entanto, que teremos mais força se defendermos nossos interesses em nome de 210 milhões de habitantes, ostentando com um PIB um trilhão de dólares e um poder de compras externas de cem bilhões de dólares. Em contraposição, se negociarmos em fatias, provavelmente seremos fatiados. Nossos intercâmbios externos devem buscar a maior abrangência possível. Isolados no Mercosul, restritos ao Mercosul, ficaremos muito sujeitos às oscilações decorrentes de crises internas dos países-membros. Para que se tenha uma idéia do impacto dessas crises, basta referir o fato de que os problemas vividos pela Argentina fizeram com que as exportações gaúchas para o bloco ficassem, em 2002, reduzidas a 30% do que haviam sido em 2001. Estamos falando de uma diferença da ordem de quase 400 milhões de dólares, o que representa 8% das nossas exportações e um efeito desastroso para muitas empresas. Sei que, para o Uruguai, esse impacto foi ainda maior. Como bem afirmou conhecida revista brasileira, o vento Minuano congelou parte expressiva de nossos negócios. O comércio rio-grandense com o Uruguai caiu à metade do que era há cinco anos (nossas importações caíram de 213 milhões de dólares para 102 milhões e as exportações caíram de 344 para 160 milhões de dólares entre 1998 e 2002). No entanto, Presidente, sou um governador otimista. Creio na força geradora do trabalho, nos bens que provêem de uma cultura elevada, nos avanços que se obtém com os intercâmbios tecnológicos, no dinamismo da iniciativa privada e nos altos papéis que cabem ao Estado como instituição reguladora do bem comum. Vejo, desde essa perspectiva, um futuro promissor para nossos países, neste trecho do continente sul-americano, onde, de modo muito particular, somos povos irmãos. E irmãos siameses. Portanto, como muito bem afirmou o grande poeta Mario Benedetti, seu conterrâneo: Ciao pesimismo. Y por favor, andate despacito, sin despertar a nadie.