Estado garante a apenados liberdade para estudar
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Esforço conjunto das secretarias da Justiça e da Segurança e da Educação garante a 20.800 (números de dezembro 2004) apenados - 840 mulheres e 19.960 homens - o exercício de um direito fundamental do ser humano: a educação. A iniciativa do Governo do Estado de implantar classes de aula regulares nos 122 estabelecimentos prisionais gaúchos baseia-se no exemplo do Presídio de Bento Gonçalves, que, em 1986, levou quadro negro e giz para dentro das celas, tornando-se a primeira experiência gaúcha na área da educação atrás das grades. O governador Germano Rigotto considera que a oferta de cursos regulares nos presídios seja um dever do Estado para com o processo de ressocialização, e não um benefício ou favor, e anuncia a intenção de aprofundar o trabalho. Quero proporcionar aos apenados as melhores condições de disputarem um futuro mercado de trabalho e, também, a possibilidade de compartilharem com os seus próprios familiares o conhecimento apreendido, justifica. Rigotto lembra do reconhecimento do Rio Grande do Sul como um dos estados brasileiros com menor índice de analfabetismo (7%), de acordo com estatísticas do Ministério da Educação, mérito dividido com os inquilinos de cárcere. A decisão de aumentar os níveis de escolaridade no ambiente prisional prosperou, venceu preconceitos e abriu espaço para o surgimento de novas turmas. As cinco penitenciárias moduladas - Charqueadas, Ijuí, Montenegro, Osório e Uruguaiana - foram projetadas e construídas dentro de concepção contemporânea de ressocialização penal (que transforma a pedagogia em arma contra a ignorância), cada uma reservando até seis salas para aulas e atividades correlatas. Atualmente, apenas quatro unidades prisionais - Alegrete, Jaguarão, Lajeado e São Jerônimo - não dispõem de áreas para o desenvolvimento de atividades com foco exclusivo na educação. As demais unidades do sistema penitenciário gaúcho contam com turmas mistas de candidatos ao supletivo e cursos regulares de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Núcleos do conhecimento O programa oficial é desenvolvido pelos Núcleos Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (Neeja), Núcleos de Orientação de Ensino Supletivo (Noes) e projeto Alfabetiza Rio Grande. Em 2004, 2.183 apenados sentaram-se nos bancos escolares instalados nos presídios, distribuídos em turmas de Ensino Fundamental (1.960) e Ensino Médio (215), enquanto 4.209 inscreveram-se para as classes de supletivo. Os alfabetizandos chegam a 12.212, dos quais 12.110 (7.704 mulheres e 4.406 homens) assistidos pelo Alfabetiza Rio Grande e outros 102 vinculados ao projeto Por um Brasil Alfabetizado, mantido pelo Serviço Social da Indústria (SESI), sob a supervisão de autoridades estaduais. Os Núcleos Estaduais de Educação de Jovens e Adultos - em número de 12, cada um composto, em média, por dez profissionais, entre educadores e pessoal de apoio administrativo/pedagógico - encarregam-se da organização de classes de Ensino Fundamental e Ensino Médio, nas quais são aplicadas as mesmas disciplinas das escolas que funcionam além-muros e que dão direito à certificação reconhecida pelo MEC. Os Núcleos de Orientação de Ensino Supletivo (Noes), por sua vez, utilizam o sistema de ensino por módulos ou disciplinas, preparando os candidatos para as provas. As autoridades estaduais prevêem a criação de novos núcleos, dependendo apenas de pareceres emitidos pelo Conselho Estadual de Educação. As turmas de dez a 25 alunos, atendidos pelos Neeja e pelos Noes, funcionam em regime de dois turnos (manhã e tarde, com duração média de quatro horas cada um) diários, adaptados à rotina das unidades prisionais. Por exemplo, o tradicional recreio pode ser substituído pela contagem dos presos ou pelo banho de sol. Para evitar a gazeta (ausência deliberada) ou por medida de segurança, as administrações dos presídios optam por suspender as aulas nos dias reservados às visitas, também interrompidas em caso de situações que fujam à normalidade, e ameacem a integridade de professores e internos. A tarefa dos núcleos está associada ao Alfabetiza Rio Grande, ação combinada entre a secretaria estadual e o Ministério da Educação, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) no Brasil, a Federação das Associações de Municípios (Famurs) e entidades civis. O programa foi lançado em maio de 2003 para erradicar o analfabetismo que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atinge a 501 mil pessoas a partir dos 15 anos de idade (6,65% da população gaúcha). O Alfabetiza responde pela implementação de um conjunto de medidas voltadas à ampliação da oferta de educação a jovens, adultos e, também, às populações urbana e rural até então sem acesso ao Ensino Fundamental. Novo horizonte O empenho do Governo do Estado em elevar o nível de escolaridade nos presídios recebe o reforço do projeto Por Um Brasil Alfabetizado, espécie de parceria público-privada na área social, resultante da associação entre o Serviço Social da Indústria (SESI) e a Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Dois milhões de jovens e adultos acima de 15 anos, em todo o país, foram alvos do projeto em 2004, entre eles 102 internos de penitenciárias de Ijuí, Osório e Rio Grande, assistidos por seis professores - sem ônus para o Estado. Estudos científicos comprovam que a educação formal, ministrada aos presos, produz uma notável melhora no comportamento: combate o ócio, reduz os riscos de confrontos internos e aumenta as chances de reintegração social. Por isso, a coordenadora da Seção Educacional do Departamento de Tratamento Penal da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), da Secretaria da Justiça e da Segurança, Leda Valéria Mastrascusa, afirma em tom indignado: Não admito que alguém diga que este trabalho é inútil. E acrescenta: Ainda que através da educação eu consiga reintegrar um só detento, o esforço já terá valido a pena. O oferecimento de ações pedagógicas formais para homens e mulheres infratores lhes abre um novo horizonte, distante do crime. Os Neeja estão estudando a inclusão de novos conteúdos nos cursos ministrados nos presídios, visando a dar aos alunos a possibilidade de aplicar os conhecimentos recebidos na seu dia-a-dia. Os conteúdos devem estar de acordo com as necessidades e interesses da população carcerária, afirma a coordenadora da Seção Educacional da Susepe. Outra providência importante, destaca Leda Mastrascusa, foi a Superintendência ter firmado parceria com a Fundação Roberto Marinho, através da qual recebe programas produzidos pelo Canal Futura, na forma de fitas de vídeo, para formação profissional dos internos. Pouco a pouco, vamos derrubando as ameaças ao pleno sucesso do projeto (Educação Liberta), afirma a pedagoga, com 23 anos de serviço público, divididos entre a Penitenciária Feminina Madre Pelletier e o Centro de Observação Criminológica da Secretaria da Justiça e da Segurança. Mais aulas, menos privação O interesse em participar das aulas, em geral, parte dos apenados e é manifestado a psicólogos ou assistentes sociais durante a fase de triagem que antecede o ingresso na unidade prisional. Entretanto, a decisão final cabe à administração do presídio, baseada em critérios de segurança interna. As turmas comportam de 10 a 25 alunos, porém, haverá um professor disponível mesmo que para atender a um único estudante, garante Leda Mastrascusa. Ainda que não seja obrigatória, há controle de freqüência, embora as faltas sejam inevitáveis. Os motivos mais comuns para ausência são doença, deslocamento para audiências no Tribunal de Justiça, transferências entre cadeias, mau tempo ou até falta de ânimo. O preso-estudante pode utilizar o tempo dedicado às aulas como remissão de pena. O instrumento não está previsto na Lei de Execução Penal, mas vem sendo aplicado graças a um pacto firmado entre os juízes gaúchos, que avaliam o atestado de efetivo trabalho e estudo, emitido pelas casas prisionais. Os magistrados fazem uma analogia do artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP), que estabelece a redução de um dia de pena para cada três dias de trabalho. No entanto, a concessão do benefício não é compulsória. Prática diária Na batalha. A gíria, disparada por um detento, que cumpre pena por homicídio e pediu para ter a identidade omitida para não ganhar nota baixa, nunca foi tão adequada para resumir como são cunhados os responsáveis por (re)moldarem corações e mentes dos presos. A coordenadora da Divisão de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria da Educação, Lenira Weil, confirma: Não há preparação especial aos professores designados para lecionar em presídios. Eles são formados em serviço, com a prática diária. Uma vez por semana (geralmente às quartas-feiras), explica Lenira, os educadores param suas atividades para autoavaliação, para estudar e discutir problemas comuns. A escolha obedece aos critérios da Secretaria da Educação e à disponibilidade dos educadores. Muitos se candidatam voluntariamente à tarefa, atraídos pelo ambiente controlado das classes de aula dos presídios, onde a disciplina é respeitada pelos alunos. Leis que amparam a Educação nos presídios Constituição Federal Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Artigo 206, inciso II - O ensino será ministrado com base nos princípios de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Artigo 208, parágrafo II, inciso VII - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. Constituição Estadual Artigo 196 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, baseada na justiça social e no respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos valores culturais, visa ao desenvolvimento do educando como pessoa e à sua qualificação para o trabalho e o exercício da cidadania. Artigo 199 - É dever do Estado garantir o ensino fundamental público, obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso a ele na idade própria. Lei de Execução Penal Artigo 17 - A assistência educacional compreenderá a instituição escolar e a formação profissional do preso e do internado. Artigo 18 - O ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa. Artigo 19 - O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único: a mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Artigo 20 - As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com atividades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Artigo 21 - Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos. Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo 26, inciso II - a instrução será orientada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e para o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.