Liminar da Justiça Federal devolve Filantropia à Ascar
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O trabalho de Assistência Técnica e Social da Ascar foi reconhecido pela Justiça Federal na noite da última sexta-feira (18). O juiz federal Leandro Paulsen concedeu medida liminar/antecipação da tutela, suspendendo os efeitos dos atos administrativos que implicaram a cassação da imunidade e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) da Ascar, suspendendo ainda a exigibilidade de todos os créditos tributários relativos a contribuições de seguridade social, constituídos contra a Instituição, cessando as cobranças administrativas e judiciais.
A decisão aconteceu 17 dias após ser ajuizada Ação Popular, junto ao TRF 4ª Região (1º/11), peticionada por ex-governadores, senadores, deputados federais e estaduais, pessoas de diferentes inclinações ideológicas, em prol do que entendem necessário ao atendimento do interesse público e social, entendeu o juiz.
Para o superintendente Geral da Ascar, Lino De David, a Liminar concedida recoloca a verdade dos fatos acerca do trabalho que a Ascar desenvolve junto aos agricultores do RS. O secretário de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, Ivar Pavan, que preside o Conselho Técnico Administrativo (CTA) da Emater/RS e do Conselho Administrativo (Conad) da Ascar, diz que, embora haja interpretações divergentes, o trabalho que a Ascar realiza é preponderantemente assistencial. A lei veio confirmar a nossa interpretação, destaca Pavan, ao analisar a vitória como resultante da compreensão da importância do trabalho de assistência social que a sociedade manifestou por meio da ação popular.
Os advogados que ajuizaram a ação popular, Jorge Lutz Müller e Rodrigo Dalcin Rodrigues, também comemoram. Esse é um instrumento jurídico adequado, porque mobiliza a sociedade civil para salvar esse patrimônio técnico e intelectual que é mantido pela Ascar, prestadora de assistência social rural, cuja relevância é reconhecida por toda a sociedade, analisa Dalcin.
Audiência pública
No dia 28 de setembro, em Audiência Pública que reuniu mais de 70 pessoas no parlamento, os deputados estaduais assumiram o compromisso de restabelecer a filantropia da Ascar. A ação popular envolve representantes de entidades parceiras e autoridades municipais, estaduais e federais. Entidades como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Incra, secretarias Estaduais de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) e da Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa), Conselho Nacional Alimentar e Nutricional (Consea) e Federação das Cooperativas Agropecuárias do RS (Fecoagro) foram representadas, assim como da Associação dos Servidores da Ascar/Emater (Asae) e dos Sindicatos Semapi, Senge e Sintargs.
A associação
De acordo com documento elaborado pelos advogados, a Ascar é uma associação, fundada em 1955, que tem como associados o Estado do RS, a própria União Federal e uma série de entidades representativas da sociedade gaúcha, num espectro que vai da Farsul ao MST, passando, dentre outras, pela Fiergs, pela Ufrgs, pela Embrapa, Famurs, Fecoagro, pelo BRDE, Ceasa, pelo MPA, pela Ocergs, etc. Seu propósito é implementar a assistência social, em sentido amplo, no meio rural. Apresenta uma série de características peculiares:
œ tem natureza privada mas presta serviços de relevância pública
œ não tem fins lucrativos
œ sua receita provém, basicamente, de verbas públicas
œ tais verbas lhe são repassadas mediante convênios
œ as verbas públicas são auditadas pelo Tribunal de Contas do Estado
œ seu maior patrimônio é a expertise acumulada em mais de 50 anos de atuação
œ conta com 2.200 empregados, sendo a maior parte deles com formação superior
œ tem enorme capilaridade social: seus técnicos chegam aos mais extremos rincões do Estado do RS
œ atua em parceria com a União Federal em vários projetos
œ a qualidade de seu trabalho é enaltecida por todas as forças políticas
œ recentemente, foi indicada pelo Itamaraty para atuar no Haiti
Trata-se de uma notável e precursora experiência de conjugação de esforços públicos e privados em prol do interesse coletivo. E tudo a um custo menor, para o Poder Público, exatamente porque este se vale da organização privada de serviços, nos marcos de uma atuação pública não diretamente estatal.
A Ascar, em parceria com a Emater-RS, desenvolve atividades com assentados, com pescadores artesanais, com indígenas, com remanescentes de quilombolas, como também promove educação e saúde no meio rural, cultura e desenvolvimento de plantas bioativas, inclusão produtiva, cidadania e organização rural, atividades de convívio e trabalho socioeducativo para crianças e adolescentes, etc.
Por se tratar de uma entidade de fins filantrópicos, é imune ao recolhimento da chamada ‘quota patronal da contribuição previdenciária. Todavia, em 1992, a fiscalização do INSS, de forma totalmente arbitrária e sem oportunizar prévia e ampla defesa administrativa, cassou-lhe a imunidade e passou a exigir-lhe esse recolhimento. O total acumulado do passivo ora se aproxima da quantia de 2 (dois) bilhões de reais.
O motivo invocado foi a remuneração do então ‘Secretário Executivo e de seus dois adjuntos. Para o INSS, tais secretários seriam equiparáveis a diretores e, por isso, não poderiam ser remunerados, i. é, deveriam trabalhar de graça. Na realidade, porém, tais secretários não passavam de meros empregados, subordinados ao Conselho de Administração, no qual sequer tinham direito a voto. A legislação veda a remuneração de dirigentes (não de meros secretários) tão somente quando tal remuneração configure distribuição disfarçada de resultados de balanço. Não foi o caso. E mesmo se tivesse sido o caso, caberia suspender a imunidade até que o problema fosse sanado, e não diretamente revogá-la. Menos ainda, sem oportunizar prévia defesa administrativa.
Tempos depois, instigado pela atuação de uma força-tarefa destinada a aumentar a arrecadação previdenciária, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) cassou o certificado de entidade filantrópica historicamente concedido à Ascar, sob o mesmo fundamento (remuneração de secretários) e, ainda, sob o argumento de que o trabalho desenvolvido pela Ascar não teria natureza assistencial.
Merece comentário a forma como foi obtida essa decisão: o conselheiro relator do processo votou a favor da Ascar, i. é, contra a representação movida pelo INSS; logo em seguida, um conselheiro oriundo do INSS pediu vistas e, na sequência do julgamento, meses depois, quando muitos conselheiros representantes da sociedade civil, por terem encerrado o seu mandato, já haviam sido substituídos, esse mesmo conselheiro apresentou-se como relator e, omitindo o voto do verdadeiro relator, induziu os novos conselheiros a decidirem contra a Ascar, num julgamento inteiramente viciado.
Em consequência da perda da imunidade, diversas execuções fiscais foram ajuizadas contra Ascar. Todo o seu patrimônio acha-se já penhorado, em garantia desses pretensos débitos. A continuidade de sua existência acha-se em risco. O contencioso até aqui desenvolvido no Judiciário não deu solução satisfatória ao litígio.
A situação é verdadeiramente kafkiana:
œ o patrimônio da entidade situa-se na faixa de 25 a 30 milhões de reais
œ a pretensa dívida, como visto, aproxima-se de 2 bilhões de reais
œ em caso de insolvência, os créditos trabalhistas (preferenciais) consumirão o valor liquidável do patrimônio, ou seja, a União nada receberá
œ o aniquilamento da Ascar representará o fim da assistência social ao homem do campo
œ o Poder Público, seja a União ou o Estado, para reativarem essa assistência, terão de dispender muito mais, sem falar na desativação da expertise histórica da Ascar, acumulada em razão de uma trajetória de mais de 50 anos
œ as razões jurídicas invocadas para o estrangulamento da Ascar, além de infringirem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, beiram o desatino, porque: (i) não faz o menor sentido exigir dedicação gratuita de quem desempenha trabalho necessário para o funcionamento da entidade e que nada tem a ver com distribuição de lucros ou resultados (caso dos referidos secretários); (ii) não procede dizer que o trabalho não configura assistência social, quando o próprio Ministério do Desenvolvimento Social é parceiro da ASCAR em várias atividades eminentemente assistenciais.
Diante desta situação, verdadeiramente calamitosa para o meio rural gaúcho, as forças vivas da sociedade, numa demonstração de unidade que transcende as diferenças políticas e partidárias, decidiram reposicionar a questão perante o Judiciário, procurando, sobretudo, dar-lhe enquadramento global e, mais ainda, chamando a atenção para o caráter lesivo e imoral da conduta arrecadatória de parcela dos órgãos e entidades que compõem a União, conduta, esta, que ameaça o patrimônio público. Para tanto, decidiram ajuizar ação popular, prevista no inciso LXXIII do artigo 5º da CF/88 nos seguintes termos:
qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência
São autores da ação, dentre outros, os ex-governadores Alceu Collares, Germano Rigotto, Olívio Dutra e Pedro Simon (este, também, na condição atual de senador), como também a senadora Ana Amélia Lemos e o senador Paulo Renato Paim, além de inúmeros deputados do RS, federais e estaduais, sem falar em outras pessoas de expressiva representatividade social. Acredita-se que esta iniciativa possa não apenas sensibilizar o Judiciário como também os setores mais lúcidos da Administração Pública Federal, tudo com vistas à melhor solução para o caso, de modo a salvar a riqueza histórica e os frutos do trabalho da Ascar /Emater.
Texto: Adriane Bertoglio Rodrigues
Edição: Redação Secom (51) 3210.4305