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Semana da Democracia: Memória é defendida como política de Estado para evitar repetições na história

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PORTO ALEGRE, RS, BRASIL, 02.04.14: Painel A Memória como Política da Repressão, no Memorial do Rio Grande do Sul. Presença de Eduardo Jozami, Diretor Nacional do Centro Cultural de Memória Haroldo Conti, na Argentina, Gilles Gomes, Coordenador da
Coordenador da Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos, Gilles Gomes alertou que violações do passado continuam persistindo - Foto: Raphael Seabra/Especial Palácio Piratini

"A memória como política de Estado" foi o painel da tarde desta quarta-feira (2) na programação da Semana da Democracia, promovida pelo Governo do Estado. A atividade teve a participação de dirigentes de centros de memória da Argentina, Uruguai e Brasil. Os painelistas observaram que o pensamento conservador e autoritário está presente na sociedade, e a memória contribui para evitar novos períodos de violação dos direitos humanos por parte do Estado.   

“O presente nos convoca a analisar o passado e buscar experiências muito ricas para não nos equivocarmos neste presente”, enfatizou o diretor Nacional do Centro Cultural de Memoria Haroldo Conti (Argentina), Eduardo Jozami. Seu país viveu sob o regime militar de 1976 a 1983 e foi considerado o mais sanguinário entre os países do Mercosul. Ele destacou que seu país avançou muito em políticas de memória e verdade na última década, mas que refluxos podem ocorrer dependendo de mudanças políticas. Por isso destacou a importância fundamental do apoio popular a políticas de defesa de direitos humanos.

Jozami alertou que a efetivação de espaços de memória, verdade e justiça são apostas de futuro e depende da validação permanente de setores cada vez mais amplos da população. “A validação destas políticas tem que ser apropriadas pela sociedade”, registrou. Citou ainda recente pesquisa mostrando que 79% dos argentinos repudiam o golpe militar, mas que 21% o justificam.    

Memória e identidade
“A última ditadura no Uruguai não foi um acidente, mas a continuidade de um pensamento autoritário constatado desde o início da construção do Estado”, registrou o diretor do Museu de La Memoria do Uruguai, Elbio Ferrario. O Uruguai viveu sob o regime militar de 1973 a 1985, período que marcou profundamente a vida do país de aproximadamente 3,5 milhões de habitantes, com migração de toda uma geração de jovens.

O Museu de La Memoria faz referência também a toda história anterior ao golpe, cheia de episódios de autoritarismo, observou Ferrario. Ele apontou os museus como lugares de consciência. “Todo campo da memória é um aspecto da luta política, dando respostas ao presente e ao futuro. As pessoas reconstroem a memória para afirmar sua identidade, com a diversidade das memórias. É um lugar de conflito, com identidades que divergem sobre a forma de ver”.

Elbio Ferrario destacou que a memória é a arma poderosa para a identidade do povo e para construir solidariedade, promovendo o sentido crítico na sociedade. Acentuou que o trabalho no La Memoria está destinado à lembrança das violações e terrorismo de Estado, mas também dá ênfase às lutas dos que se levantaram e enfrentaram as ditaduras. “Creio que hoje em dia, no Uruguai, explicitamente, ninguém reivindica a ditadura”, declarou.

Esquecimento é o legado autoritário
O coordenador da Comissão de Mortos e Desaparecidos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Gilles Gomes, alertou que “as razões do golpe de 64 que furtaram um país melhor dos brasileiros continuam presentes hoje a cada troca de governo, a cada nova conjuntura estrutural do país". "Não nos livramos da pior ditadura, que é a ditadura do capital, espraiada, exportada e vendida pelos EUA”.

Gilles observou que o legado autoritário brasileiro está traduzido no ensino, resultando no esquecimento do que se passou no país nos 21 anos de ditadura civil e militar. “Memória é resistência e luta política e deve ser disputada a todo o instante”, resumiu. 

Opinou que no Brasil a justiça relativa aos crimes cometidos entre 1964 e 1985 é um processo e que há muito a avançar. “A memória como política de Estado não existe e isso não permitiu ainda que avancemos até outros pontos e balizas que são caras e clamadas todo dia na sociedade”, disse.

Ele informou que foram efetivados 362 processos de restauro pecuniário a vítimas da ditadura. Mas acredita que a Comissão da Verdade deverá mostrar um número muito maior. Para Gilles Gomes, a Comissão da Verdade, além de apontar as violações dos direitos humanos, deve propor as medidas necessárias à alteração da estrutura do Estado que possibilite que crimes contra os direitos humanos não se repitam.

“As violações do passado e razões do golpe continuam persistindo e resistindo”, enfatizou, lembrando que as estruturas policiais seguem repetindo práticas, pensamentos e formas de agir do regime autoritário. Concluiu apontando o desafio de ampliar e popularizar esse debate no Brasil.

Confira a programação da Semana da Democracia:

Dia 03

10h – 12h – Painel: Linguagens Artísticas e Pedagogia da Memória: Experiências.
Palestrantes:
Gaudêncio Fidélis (Diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Brasil)
Maria José Bunster (Diretora de Exposições do Museo de La Memória, Chile)
Ramón Castillo Inostroza (Curador e Diretor da Faculdade de Artes da Universidad Diego Portales, Chile) 
Cristina Pozzobon (Artista Plástica do Rio Grande do Sul)

14h – 16h30 – Painel: Arquivos Orais e Testemunho.
Palestrantes:
Rejane Penna – Historiógrafa do Arquivo Histórico do RS. Doutora em História, coordenou pesquisas e publicou diversos trabalhos discutindo a utilização das fontes orais na construção histórica e na formação de acervos. É autora do livro “Fontes Orais e Historiografia: novas perspectivas ou falsos avanços”, pela Edipucrs.
Carla Rodeghero – Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora dos temas ditadura, anistia, história oral e memória.

18h30 – 20h – Painel: Os Marcos Internacionais da Reparação de Violações de Direitos Humanos.
Palestrantes:
Baltasar Garzón – Jurista espanhol. Responsável pela prisão do ditador Augusto Pinochet na Inglaterra. Atualmente é assessor do Tribunal Penal de Haia.
Mediadora: Juçara Dutra, Secretária de Justiça e Direitos Humanos do RS

Dias 04 a 05 de abril

Diálogos - ¨Do golpe a redemocratização: caminhos do Brasil¨.
Local: Arena montada no Memorial do Rio Grande do Sul/ Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Praça da Alfândega.

Dia 04

10h – 12h – Painel: De Jango ao Golpe.
Palestrantes:
Christopher Goulart – Neto do Presidente João Goulart
Juremir Machado da Silva – Jornalista, cronista e professor da Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do RS.
Maria Celina D’Araújo – Professora de História da Pontifícia Universidade Católica do RJ.
Nadine Borges – Comissão da Verdade RJ. Advogada e Professora na Universidade Federal Fluminense, atualmente faz parte da Comissão Nacional da Verdade. Foi coordenadora da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
Pedro Simon – Senador da República e Ex-Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Mediadora: Mecedes Cànepa – Professora Doutora de Ciência Política da UFRGS e Conselheira do Cdes-RS.

14h – 17h – Painel: Ditadura, Democracia e Gênero.
Palestrantes:
Céli Regina Pinto – Professora de História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra a Comissão Estadual da Verdade no RS. Desenvolve pesquisa na área de Ciência Política enfatizando temas como o feminismo.
Lilian Celiberti – Uruguaia, ativista dos Direitos Humanos, foi sequestrada junto com seus dois filhos em 1978 durante a Operação Condor.
Lícia Peres – Socióloga. Foi a primeira presidente do Movimento pela Anistia.
Soledad Muñoz – Abogada; Profesora de Derecho Internacional Público (Universidad Nacional de La Plata, UNLP); Miembra del Departamento de Derechos Humanos del Instituto de Relaciones Internacionales, (UNLP); Consultora externa del Instituto Interamericano de Derechos Humanos (IIDH).
Mediadora: Ariane Leitão – Secretária de Estado de Políticas para as Mulheres do RS.

18h – Apresentação de “Guri d’América”: Raul Elwanger

18h30 – 20h – Painel: Terrorismo de Estado
Palestrantes:
Rosa Roisinblit - Ativista argentina pelos direitos humanos e vice-presidente da Associação das Abuelas de Plaza de Mayo
Jimena Vicario - Neta de desaparecidos apropriados pelos militares argentinos
Franklin Martins – Jornalista. Atuou no movimento estudantil e fez parte do MR-8. Em 1969, fez parte da Ação Libertadora Nacional. Foi um dos mentores do sequestro do embaixador americano.
Mediador: Antônio Escostegy Castro – Advogado representante do Conselho Federal da OAB e Conselheiro do Cdes-RS.

Dia 05

10h – 12h – Painel: Ditadura, Resistência e Reparação.
Palestrantes:
Rodrigo Patto Sá Motta – Professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais e atual Presidente da Associação Nacional de História (ANPUH)
Caroline Silveira Bauer – Historiadora, Professora de História da Universidade Federal de Pelotas e colunista da Revista Carta Maior. Seus estudos tem ênfase nas ditaduras latinoamericanas e temas correlatos.
Carlos Frederico Guazzelli - Advogado, presidente da Comissão da Verdade do RS
Mediador: Daniel Vieira Sebastiani – Professor de História, Diretor Nacional do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e Conselheiro do Cdes-RS.

14h – 18h – Painel: Golpe, Ditadura e Movimentos Culturais.
Palestrantes:
Silvio Tendler – Documentarista e cineasta. Conhecido como o cineasta dos “vencidos”.
Luis Augusto Fischer – Escritor e Professor da UFRGS
Nei Lisboa – Músico. Irmão mais novo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, primeiro desaparecido político brasileiro cujo corpo pôde ser localizado, no final dos anos 70.
Nelson Coelho de Castro – Cantor e compositor, vivenciou o cenário musical da época através dos festivais universitários, das Rodas de Som de Carlinhos Hartlieb e de apresentações na noite porto-alegrense.
Edgar Vasquez - Ilustrador, artista gráfico e cartunista.
Mediador: Márcio Tavares – Coordenador do Memorial do RS

18h – Exibição do documentário de Sílvio Tendler

Serão lançados os documentários:
"Os militares que disseram NÃO" - sobre os militares cassados, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e dirigido pelo Sílvio Tendler.
"Por uma questão de justiça: os advogados contra a ditadura", sobre os advogados dos presos políticos, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e também dirigido pelo Sílvio Tendler.

Texto: Stela Pastore
Edição: Redação Secom (51) 3210.4305

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