Hora de cambiar o câmbio
Publicação:
Germano Rigotto, governador do Rio Grande do Sul Descrevo o que vejo e o que vejo não me agrada. Nos últimos cinco anos, a participação brasileira no fluxo dos investimentos produtivos externos aos países em desenvolvimento caiu de 15 para 7%. Nos dois primeiros meses deste ano, houve um empate de 2x2 na relação entre os investimentos financeiros e os investimentos produtivos oriundos do exterior. Foram dois bilhões de dólares aplicados na produção e dois bilhões de dólares aplicados no mercado de capitais. Isso é mau sinal e a causa principal está na instabilidade do câmbio. Investidores, nacionais ou estrangeiros, querem estabilidade. Nada afeta tão diretamente planos de investimento quanto a turbulência, seja política, social, fiscal ou cambial. É altamente improvável que os investidores que correm ao mercado chinês estejam seduzidos pelo modelo político do país. O que os atrai é a estabilidade que presumem existir nos padrões atualmente adotados naquela nação. No Brasil, quando conseguimos dissipar os nevoeiros da instabilidade política, o horizonte se turva novamente com a borrasca da excessiva valorização do real em relação ao dólar. Tivéssemos um poderoso mercado consumidor interno, compatível com a população de 180 milhões de pessoas, talvez pudéssemos prescindir em parte das nossas exportações para geração de postos de trabalho e atração de investimentos. Infelizmente não é assim. Nossa capacidade produtiva precisa do mercado externo tanto quanto precisamos do ar que respiramos. E o câmbio funciona como um respirador artificial para manter em funcionamento os órgãos vitais da economia e da sociedade brasileira. É impossível operá-lo despressurizado porque quando isso ocorre - e está ocorrendo - não são apenas os investidores externos que refluem, mas são os próprios investidores nacionais que suspendem seus projetos ou se bandeiam para outras paragens onde a brisa for mais suave. E não podemos culpá-los por uma conduta que tem causas visíveis. Quais são elas? Por que o dólar atinge patamares tão baixos, num decréscimo que supera, em muito, a desvalorização ocorrida em relação a outras moedas? Será apenas o mercado agindo de modo suicida nessa direção, ou se trata de reação a fatores bem determinados? Estou convencido de que nisso, como em tudo mais, o mercado mais reage do que age. E ele reage a um desequilíbrio muito acentuado entre nossas exportações e nossas importações, porque se houvesse maior saída de dólares em virtude das aquisições nacionais, a balança buscaria outro ponto de equilíbrio. O mercado reage à exigência imposta ao exportador de entregar seus dólares ao Banco Central num prazo certo, o que aumenta a disponibilidade da moeda. E o mercado reage à excessiva taxa de juros, esse instrumento de política monetária que vem sendo catapultado pelo Copom para níveis paradisíacos ao capital especulativo. Iludem-se as autoridades federais com os atuais indicadores das nossas exportações e saldos da balança comercial. Estamos contemplando os estertores de um ciclo favorável às contas nacionais, mas altamente danoso às contas das empresas exportadoras. Elas estão cumprindo contratos com prejuízos fatais a seus balanços, seu capital de giro, sua capacidade de expansão e, em etapa final, farão refluir o próprio mercado de trabalho. Como é possível a uma empresa fechar contratos de exportação com dólar cotado a R$ 3,20 e formalizar a entrega com essa moeda sendo cambiada a 20% menos? Qual empresa pode arcar com semelhante ônus? E, ainda mais grave: como pode uma empresa adequar seus custos em real a esse ínfimo patamar cambial pra fechar novos contratos? Está mais do que na hora de cambiar o câmbio. O Rio Grande do Sul é o maior exportador per capita do Brasil, num patamar que fica 30% acima do estado que vem em segundo lugar. Nossos produtos e nossas empresas, em diversos ramos de atividade, mantêm larga tradição de competitividade e qualidade perante os mais exigentes mercados mundiais. E os danos que a atual situação cambial está impondo às nossas empresas superaram, em muito, os limites da suportabilidade. Se o governo federal não agir, os números de crescimento econômico, emprego e renda que vêm sendo apresentados como alvissareiros pelos altos escalões da República, também vão cambiar. Especial, O Estado de São Paulo, 02/05/2005