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Morada Viamão completa um ano renovando vidas

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O mês de julho marca uma data importante para a rede de saúde mental do Estado. Nesta quinta-feira (27), será comemorado um ano de funcionamento do Serviço Residencial Terapêutico (SRT) Morada Viamão, erguido no terreno atrás da antiga Unidade Don Bosco do Hospital Psiquiátrico São Pedro, no município de Viamão, hoje desativada. As quatro casas habitadas por 21 pacientes psiquiátricos, ex-internos de hospitais ou unidades de tratamento gaúchas, representam um novo passo na vida de seus moradores. Conforme a diretora da Divisão de Atenção a Usuários-Moradores da Secretaria da Saúde, psicóloga Vera Sebben, o serviço já trouxe muitas conquistas no sentido de reinserir os pacientes na sociedade, já que muitos perderam vínculos familiares ou sociais. A intenção é que essas pessoas possam construir um cotidiano, de acordo com suas potencialidades e debilidades, o mais próximo possível de uma vida familiar, afirma. Atualmente, os usuários cuidam de seu lar, cozinham sua comida, compram suas roupas, freqüentam a escola do bairro junto com outras pessoas da comunidade, e, em alguns casos, trabalham para garantir uma renda extra. No dia do aniversário, haverá almoço com churrasco e, à tarde, uma grande festa. Vera explica que a Reforma Psiquiátrica prevê a criação de SRTs, moradias situadas no espaço urbano, constituídas para suprir a necessidade de um lar de pessoas portadoras de transtornos mentais graves. É a proposta de um lugar com jeito de casa, gerador de oportunidades para que cada um possa apropriar-se de seu espaço e de sua identidade, diz. Nesse sentido, ela destaca também a existência do Morada São Pedro, conjunto de 27 casas erguidas no terreno do hospital psiquiátrico de mesmo nome, do Morada Itapuã, que está sendo constituído nessa região, bem como outros SRTs existentes no Estado. A psicóloga conta que o Morada Viamão está completando um ano no formato de Residencial Terapêutico, mas a estrutura foi construída em 2002. Apesar de a princípio ser utilizado com esse fim, pouco tempo depois o serviço foi descaracterizado e as casas passaram a ser apenas o dormitório de alguns pacientes. Em julho de 2005, com a transferência do Don Bosco para o Hospital Psiquiátrico São Pedro, o serviço foi reinaugurado no formato de SRT. A coordenadora do Morada Viamão, Cristiane Knijnik, afirma que a faixa etária média dos moradores é de 30 anos, com tempo de internação girando em torno de 25 anos. Segundo ela, a maioria é oriunda da antiga Febem – que administrava a unidade antes de ela ser subordinada à Secretaria da Saúde –, vítima de abandono e com características de deficiência mental. A equipe de trabalho é formada por funcionários que anteriormente eram responsáveis pela manutenção, administrativo, serviços de enfermagem e por acompanhantes que hoje têm a função de cuidadores. Educação Vera afirma que o acompanhamento diário é essencial para que a atividade terapêutica obtenha êxito. Não adianta mostrar ou dar uma oportunidade de fala e ação a alguém hoje e não ensinar de novo. É necessário fazer junto, acompanhar, conquistar etapas junto com os moradores e vibrar com eles, pois isso faz parte da vida, assegura. Divididos em turnos, 24 horas por dia, os cuidadores atuam de forma mais próxima dos pacientes. Cada cuidador é considerado referência de cada três moradores. A partir do plano de vida construído junto com cada um, participa do dia-a-dia, acompanha o morador em saídas, soluciona dúvidas, problemas e outras questões da vida diária junto com eles. Vera destaca, porém, que tudo faz parte de um processo educativo. Educar não é fazer do nosso jeito, mas é mostrar formas de fazer e ser, dando à pessoa o incentivo necessário para que ela aprenda a fazer as coisas do seu jeito e construa referências para sua identidade. A diretora da Divisão de Atenção a Usuários-Moradores conta que os avanços foram sendo construídos gradualmente. Como exemplo, ela cita a alimentação. Construir um ritual para as refeições que inclua outros sentidos que não apenas o da sobrevivência desafiou a equipe a rever suas práticas de cuidado, sustenta. A princípio, o café da manhã era servido nas casas e as demais refeições no refeitório. Depois, foram sendo comprados os utensílios para cozinha – pratos, copos, talheres (inclusive garfos e facas, antes proibidos) –, utilizando também vidro e não só plástico. O medo da faca, do fogão e das inabilidades dos moradores foram – e são – superados diariamente. Já na primeira semana de funcionamento, a hora do lanche foi abolida e os alimentos passaram a ser estocados nas residências, à disposição. Com o passar do tempo, a cozinha industrial que funcionava no Don Bosco foi desativada e hoje a comida é preparada integralmente pelos moradores e funcionários. Dinheiro Outro ponto destacado por Vera é o fato de eles agora poderem gerenciar o próprio dinheiro, fruto de uma bolsa-auxílio do programa de reintegração social De volta para casa, do Ministério da Saúde. Segundo ela, o benefício auxilia na construção da cidadania, depois de tanto tempo institucionalizadas. O dinheiro deu a possibilidade de escolha e, mais do que isso, de aprender a fazer escolhas. Este é um grande impulso para que eles conheçam mais sobre si mesmos. Nesse processo de aprendizagem, puderam comprar produtos e serviços para seu consumo – como relógios e celulares –, escolher o corte de cabelo e roupas de acordo com seu estilo pessoal, em mais um passo para a elaboração de sua identidade. Isso também gera impacto na população. Quando vêem os moradores tirando o próprio dinheiro do bolso, passam a respeitá-los como qualquer consumidor, assegura Cristiane. O cuidador Luiz Ernani Brasil, que trabalha no local desde a época do Don Bosco, é testemunha dos avanços. No hospital, os pacientes não podiam exigir nada para eles, todos eram iguais. Agora eles podem escolher. Além disso, muitos não falavam, eram tomados como mudos. Hoje, sabem o nome de todo mundo e falam até demais, brinca. Atualmente, o clima das casas é parecido com o de qualquer outra. Cada casa possui quatro quartos, com até dois moradores. Eles foram responsáveis por arrumar os móveis do jeito que acharam melhor, organizaram seus guarda-roupas e hoje fazem escalas para a limpeza diária – limpar a louça, arrumar a cama, lavar a roupa, estender as peças no varal e assim por diante. É parte do processo de estruturar as atividades da vida diária, de organizar rotinas para auxiliar na apropriação dos espaços físicos e simbólicos: lugar onde se dorme, come, caminha e se assiste tevê, diz Vera. Os moradores também recebem as visitas com bolo, marcam pessoalmente suas consultas médicas e comemoram os aniversários individualmente. Tudo acontece com o acompanhamento dos cuidadores, que participam de todas as atividades. A vida fora do hospital não está relacionada com o abandono, bem pelo contrário, explica, acrescentando que também são feitas assembléias com os moradores e realizadas conversas individuais para explicar as novas rotinas e ouvir os desejos de cada um. Família A coordenadora do Morada Viamão relata ainda que atividades do dia-a-dia, como a confecção do documento de identidade, podem servir para atingir um objetivo ainda maior. Não são apenas documentos. Ir até o Instituto de Identificação com os moradores é conversar sobre o que é a carteira de identidade, para que serve, bem como sobre os lugares onde cada um nasceu, suas famílias, nomes dos pais, ou seja, construir e conhecer um pouco da história individual, afirma. A partir de oportunidades como essa, alguns laços familiares começaram a ser reatados. Cristiane conta que um dos moradores hoje visita a família e, no último Ano Novo, ofereceu um churrasco a eles, pago com seu dinheiro. Outro usuário conseguiu lembrar algumas informações de sua família em Novo Hamburgo e, através de contatos, foi possível descobrir seu endereço. Recentemente, um morador se reaproximou da mãe e hoje os dois moram juntos no Morro da Vruz. Alcançar a reabilitação, no entanto, não é morar com a família. Depende muito da relação de cada um com os parentes, assim como nós, ressalta. Independência Cristiane afirma que, atualmente, muitos moradores já saem sozinhos pela cidade, sem necessidade de estar acompanhados por todo o grupo, apesar de um cuidador sempre ir junto quando pertinente. Inseridos na comunidade, fizeram amigos no bairro e deixaram de freqüentar as turmas do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos exclusivas do Hospital Psiquiátrico São Pedro para assistir, à noite, as aulas do EJA na Escola Municipal Vinte de Setembro, nos arredores do Morada. Fazem também outras atividades externas, como equoterapia, em convênio com a Sociedade Hípica de Porto Alegre, e natação. Os moradores estão entusiasmados com a nova realidade. Estou estudando à noite, aprendendo várias coisas diferentes, conta Zé Luís. Já Carlos diz estar feliz com sua liberdade. Vou na escola, saio à noite, vou nos bailes... Até volto tarde!, comemora. A coordenadora destaca que, além disso, muitos já trabalham para complementar sua renda mensal – alguns atuam na usina de reciclagem localizada no Hospital São Pedro, outro ajuda uma vizinha na lavoura e outro trabalha como auxiliar de obras. A tendência é que eles façam cada vez mais atividades fora do Morada, que deve funcionar é só como uma residência, aponta Vera. Uma novidade que os moradores estão vivenciando desde a semana passada é a presença de Célia, ex-paciente do São Pedro, primeira mulher a integrar o grupo. Anteriormente, o Morada Viamão era constituído apenas por homens, segundo Cristiane, porque eram os pacientes oriundos da unidade Don Bosco que possuíam perfil com maior independência. A coordenadora afirma que os impactos da mudança vão ser mediados pelos próprios moradores. Eles vão combinar como a rotina vai funcionar diretamente com a Célia, assegura. Por sua parte, Célia está contente e bastante tranqüila com a situação. Aqui é mais calmo, posso passear, dar uma volta. E as pessoas me tratam bem, são meus amigos, já conheço de outras atividades, afirma. A festa desta quinta-feira (27), depois do almoço, contará com convidados escolhidos pelos próprios moradores – familiares, amigos das redondezas, professores, colegas – e pela equipe da Secretaria da Saúde. O evento, a partir das 15h, terá torta, doces, salgados, música e muita animação. O Morada Viamão está localizado na avenida Senador Salgado Filho, 2265, próximo à Parada 36.
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