Apenados de 53 unidades prisionais participam da Feira do Livro do Sistema Prisional
Evento anual visa promover educação continuada
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A 5ª Feira do Livro do Sistema Prisional: Diálogos para a liberdade ocorreu nesta sexta-feira (14/11), em paralelo à programação da 71ª Feira do Livro de Porto Alegre. Organizada pela Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS), pela Polícia Penal e pela Câmara Rio-Grandense do Livro, a ação – em formato on-line com transmissão para as unidades prisionais –, é uma maneira de contribuir para as práticas sociais educativas das pessoas privadas de liberdade.
Em 2024, a ação alcançou 42 estabelecimentos prisionais de todas as dez regiões penitenciárias. Neste ano, foram 53 unidades, também de todas as regiões.
O convidado desta edição foi o escritor, poeta e educador Bruno Negrão, um dos pioneiros do slam (batalha de poesia falada) no Rio Grande do Sul e que ajudou a alavancar a popularização da prática em todo o país. Também produtor cultural, seus textos buscam combinar escrita e oralidade para criar uma literatura capaz de resgatar memórias e imaginar futuros . Os trabalhos do artista já foram adaptados para dança, teatro e cinema, com premiações em festivais nacionais e internacionais.
Na sua apresentação, o autor falou de como a poesia e a música influenciaram suas vivências desde a adolescência. “A arte no geral precisa do fator de questionamento, de falar aquilo que nós vemos, de como a sociedade está se organizando. No Rio Grande do Sul existe uma cultura negra muito forte, mas o Estado é vendido como se não houvesse. Por isso, busco de diversas formas fazer questionamentos para que a sociedade reflita sobre isso”, explicou.
O secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Jorge Pozzobom; as diretoras dos departamentos de Políticas Penais (DPP), Bruna Caldasso Becker, e de Tratamento Penal (DTP), Rita Leonardi; e o presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Maximiliano Ledur, participaram da abertura do encontro.
Em sua fala, Pozzobom destacou o quanto o conhecimento gerado pela leitura é importante para a vida em sociedade. “Uma ressocialização efetiva depende das oportunidades oferecidas dentro dos muros. Cultura, assim como educação e capacitação profissional, são essenciais para que as pessoas privadas de liberdade retornem ao convívio social com dignidade”, ressaltou.
Já Rita celebrou a realização de mais uma edição do evento, que a cada ano mobiliza mais pessoas privadas de liberdade. “Muitos dos apenados participantes já fazem a remição pela leitura, e a feira vem para complementar o conhecimento adquirido”, disse.
Apenados relatam mudança de vida pela leitura
Na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas (PMEC), o apenado Carlos* relatou ter conhecido o slam neste ano e destacou o quanto foi importante para ele entender melhor a prática. “Vivi o crime, estou preso, mas gosto muito de ler. As técnicas superiores penitenciárias me incentivaram muito. Estava perdendo a essência e a leitura me resgatou. O projeto da remição pela leitura me abriu as portas dentro da prisão”, afirmou. “Agora estou trabalhando aqui e tudo partiu dos livros. Ninguém tira o conhecimento que a gente ganha.”
A mudança foi exaltada pela chefe da Divisão de Educação Prisional do DTP, Carolina Di Giorgio Beck, que anteriormente estava lotada na PMEC. “Sinto orgulho do Carlos. Ele é um dos leitores mais vorazes, que a gente realmente vê como mudou”, destacou.
Sandro*, que cumpre pena na Penitenciária Modulada Estadual de Uruguaiana (PMEU), relatou que também não tinha o hábito de ler, mas que o incentivo dentro dos muros tem sido essencial para a mudança. “Um dos livros mais importantes pra mim foi Se Jesus fosse preto, porque fala de raça e gênero”, disse. A obra de Negrão, lançada em 2017, se tornou um clássico da literatura gaúcha por ser a primeira publicação autoral de um slammer do Estado.
Em uma de suas falas finais, Negrão enalteceu o poder da leitura periférica. “É importante ler o que a gente gosta, mas também se identificar com o que lê. E no slam há muitos autores que apresentam um contexto de minorias e grupos marginalizados. Eu acredito mais no livro do que na grade: a grade limita, o livro transforma”, frisou.
*nomes fictícios para não identificar os apenados
Texto: Paula Sória Quedi/Ascom SSPS
Edição: Secom