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Artigo: A metáfora da crise grega, por Tarso Genro

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O governo grego resolveu submeter a referendo o corte dos salários dos programas de proteção social e previdência pública, já aprovados pelo parlamento e votados apressadamente para ajudar o país a sair do impasse econômico-financeiro, ocasionado pela brutal crise financeira da Europa. O governo reconheceu que as decisões da representação política, por si mesmas, não tinham carga de legitimidade suficiente para socializar os prejuízos, depois de um longo processo de rolagem de bilhões de euros. Estes geraram bilhões de lucros, devidamente privatizados pelos mecanismos do sistema financeiro mundial.

Pasmem, a própria União Europeia já tinha utilizado o método Kirchner, tão atacado pelos defensores do modelo de globalização financeira em curso, para salvar o que restava da Grécia: redução compulsória da dívida e prazos mais elásticos, com a condição de que os governantes aplicassem duras medidas de restrição contra os mais pobres e os que mais precisam do Estado.

O referendo provocou nova crise. É muito importante marcar esse fato, pois o que está em jogo, atualmente no mundo, não são somente as finanças públicas e privadas mundiais, mas também o modelo democrático-representativo, cujo poder de decisão vem sendo rapidamente sucateado: um sucateamento da democracia, portanto. Sua força negativa vem por instâncias de poder externas ao Estado, de caráter privado. Estas tendem a tornar irrisória a soberania popular e a legitimidade do poder constituinte do povo: as bolsas corrigem o referendo, ameaçam o sistema democrático grego e avisam que o povo - destinatário e vítima de todas as medidas - não pode opinar sobre o assunto.

Repito: é muito importante o que está ocorrendo hoje, na Grécia e em toda a Europa, pois é a primeira vez que, de forma aberta (em outras oportunidades o mesmo foi feito de forma velada), o poder financeiro privado corrige diretamente a soberania popular. São os tais poderes fácticos, a que me referi recentemente em conferência no Ministério Público, que superpõem a sua vontade às instituições formais do Estado. Agora o fazem por meio do ataque direto do capital financeiro e das agências de risco ao referendo. Espero que, desta vez, as minhas sugestões de debate não sejam deformadas, pois quero deixar claro que não estou me reportando a nenhum banco em especial, mas a um sistema de forças cuja lógica sequer depende das decisões pessoais dos seus donos.

Ninguém pode ser demonizado por defender a proposta da União Europeia para a Grécia, nem por aceitar que se relativize a própria força constitucional da representação política na democracia. Em um regime democrático, temos o direito de pensar e defender o que queremos. Mas o que é preciso deixar claro é que nós, outros, antagonistas do modelo desde a primeira hora, temos o direito de defender e provar que a próxima vítima do modelo neoliberal - depois dos direitos sociais - serão os direitos políticos. Certamente, passaremos, agora, a ser acusados de defender empresas estatais não lucrativas. Só para mudar de assunto. Esperem e verão.

Tarso Genro
Governador do Estado do Rio Grande do Sul

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