Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Início do conteúdo

Cultura, economia e biodiversidade do Pampa são abordados em debate inovador

Publicação:

O Seminário Internacional Bioma Pampa – Valores biológicos, culturais e econômicos, promovido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema e Fundação Zoobotânica (FZB), na quarta-feira (23), com seguimento nesta quinta-feira (24), no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, abordou temas que até então eram discutidos apenas de forma isolada, como os valores biológicos e os culturais do Pampa.

No debate sobre valores culturais, o painelista convidado, Cícero Galeno Lopes, doutor em Letras, apresentou um panorama sobre a cultura do gaúcho e sua relação com a literatura, lembrando diversos autores do pampa, entre brasileiros, argentinos e até norte-americanos. 

Para introduzir o tema, ele conceituou o termo gaúcho, o homem primitivo que resultou da mestiçagem entre europeus, descendentes e ameríndias, assim como os negros, em uma construção de identidade nas regiões do Sul do Brasil, Uruguai e Argentina. O uso da palavra gaúcho passou a designar o habitante móvel do Pampa, não confundido com o proprietário da terra. E é essa figura mítica que é cantada em espanhol ou castelhano e em português.

Para o poeta e pecuarista de Lavras do Sul, Gujo Teixeira, é importar analisar a figura do gaúcho e do Pampa sob a ótica da cultura, que conta a história do chão, do homem, da criação de gado e cavalo, preservando as tradições que, normalmente, vai se perdendo ao longo do tempo. Também participou do debate o músico de apresentador do Programa Cantos do Sul da Terra, da FM Cultura, Demétrio Xavier, que além de falar sobre a linguagem, sobre a cultura e sobre a origem do homem do Pampa, também cantou para os presentes.

Bioma ameaçado
No painel sobre valores biológicos, o secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), Bráulio Ferreira de Souza Dias, funcionário de carreira do Ministério do Meio Ambiente, revelou que o Bioma Pampa é um dos mais ameaçados do mundo e o que recebe os menores esforços de conservação da biodiversidade. Ele reconheceu, no entanto, que a iniciativa de promoção desse evento, por parte da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e da Fundação Zoobotânica, demonstra uma interação sobre o tema e o interesse de reversão do problema enfrentado pela região.

Tradicionalmente, conforme indicou Bráulio, existe uma priorização para os ecossistemas florestais e marinhos, mas é preciso chamar a atenção ao ecossistema campestre. “O Pampa tem uma biodiversidade grande, que não é reconhecida por todos. Há uma tradição de manejo por nativos, que oferece possibilidades de uso sustentável”, apontou o especialista. A ameaça, no entanto, vem do uso intensivo do plantio florestal, reflorestamento e plantações agrícolas.

Entre 1975 e 2001, por levantamento comparativo, o ecossistema do Pampa Oeste perdeu 42% de vegetação nativa. O que, segundo Bráulio, merece uma atenção especial para que se reverta essa situação. O especialista lembrou que a biodiversidade e o ecossistema têm funções importantes para o bem estar da sociedade, levando em conta a saúde, a pobreza, a qualidade de vida, assim como prevê os tratados da Organização das Nações Unidas (ONU), que agruparam três frentes de estudo, levando em conta três pilares: ambiental, social e econômico. Ele destaca que tais discussões apontam a um problema enfrentado mundialmente, no que se refere à segurança alimentar: a adaptação de recursos genéticos aos recursos climáticos. Como exemplo da relação direta da biodiversidade com o bem estar social, ele citou uma pesquisa que mostrou que onde se ampliou as áreas verdes em cidades, houve redução da violência.

Clima e biodiversidade
Tragédias ou grandes mudanças climáticas tem se multiplicado e sido testemunhadas no mundo todo. Conforme Bráulio Dias, tais adventos tem relação com o aumento do efeito estufa, que, por sua vez, impacta em tempos de seca ou de inundações. “Se ampliarmos os esforços de recuperação da capacidade da própria natureza absorver esses excessos, poderemos reduzir esses problemas”, adverte.

A redução da vulnerabilidade de desastres extremos passa pela recuperação e conservação da biodiversidade, como muitas convenções mundiais de especialistas já defendem. As metas estabelecidas em prol da conservação ou recuperação ambiental atendem desde metas para redução da perda da biodiversidade, modificação do sistema de práticas da agropecuária e agricultura, redução da poluição, ampliação de esforços para proteção de áreas costeiras e de água doce, entre outros.

De acordo com o doutor em Ecologia pela UFRGS, Eduardo Velez, as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade devem ser incluídas na agenda política do país. Para ele, é preciso ocupar os espaços rurais, assim como a Amazônia fez de sua floresta a sua matriz. “Na Amazônia existem agricultura e pecuária, mas a meta é manter a floresta como matriz ambiental. A meta do Bioma Pampa, portanto, é construir uma matriz ambiental no campo. Manter o Pampa com suas atividades pastoris, com desenvolvimento econômico, social e ambiental”, defendeu, justificando que o campo gera renda e emprego. “É lá que está a biodiversidade, com sua fauna e flora interagindo e prestando serviço ao meio ambiente”, indicou Velez, que possui grande experiência em gestão institucional e em políticas públicas na área ambiental.

Vocação do campo
A vocação do campo, no Pampa, é a criação de gado de corte. “É possível sim uma produção econômica na pecuária, com geração de renda”, disse Eduardo Velez. O grande desafio nesse ponto é tornar a atividade mais competitiva, para inibir o avanço do cultivo de soja no Pampa. De acordo com Velez, há uma estimativa de que haja um avanço de ocupação de 6 milhões de hectares, em uma expansão horizontal, sobre os campos nativos.  “A agenda da biodiversidade está fora desse cálculo. Por isso a agenda nessa área deve sair do isolamento político e ter um amparo científico, considerando os tratados internacionais”, apontou.

A solução para equacionar esse problema passa pelo diálogo, já iniciado, inclusive com a promoção do seminário Bioma Pampa, conforme indica o secretário executivo da Convenção sobre diversidade Biológica (CDB), Bráulio Ferreira de Souza Dias. Para ele, aproximar os setores agropecuário e o ambiental, além de discutir o uso comum oferecendo oportunidades de ganho com eficiência e geração de emprego na área produtiva, possibilitará avanços na política sobre o tema.

Desafios
O grande desafio, segundo Bráulio Ferreira de Souza Dias, é a mobilização de recursos financeiros. Em maio serão liberados US$ 4,43 bilhões pelo Fundo Mundial do Meio Ambiente (Gef, na sigla em inglês) aos países em desenvolvimento, sendo que 25% serão destinados para assuntos sobre a biodiversidade, entre eles a questão de espécies exóticas invasoras. Para evitar que novos casos se repitam, como o que aconteceu há alguns anos, quando fazendeiros importaram algodão para plantar em São Paulo, introduzindo ali uma praga, o bicudo, que impactou diretamente no meio ambiente, economia e, inclusive, na área social. “É preciso uma intervenção rápida”, defendeu Bráulio.

Outros desafios a serem superados é a aproximação dos setores produtivos com o tema da preservação ambiental e a ampliação da cooperação regional, a fim de possibilitar maior efetividade das áreas protegidas. Conforme o analista ambiental da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Arthur Seyffart, uma proposta que não deve ser esquecida na pauta é reconhecer o Bioma Pampa como patrimônio nacional, assim como já ocorre com a Caatinga e o Serrado.

Seyffart indica que é necessário que o país disponibilize logo um diagnóstico, caracterizando cada bioma. Hoje, existe apenas o estudo completo do bioma da Amazônia. “Com isso poderemos identificar onde é preciso criar as unidades de conservação”, disse o técnico do Ministério do Meio Ambiente. Além disso, será possível o desenvolvimento de metodologias para a recuperação de áreas degradadas, usando de forma consciente os recursos financeiros. “Saberemos qual estrutura de políticas que o país deve promover, bem como as ferramentas para isso. Esse estudo está a caminho e nosso prazo é 2015”, atesta João Arthur Seyffart, que é mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB).

Texto: Simone Rocha
Edição: Redação Secom (51) 3210.4305

Portal do Estado do Rio Grande do Sul